sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

61. Dia de Mudança


- Estou com vergonha de voltar pra casa da Nana. Sério. – Yuudai confessou quando ficou a sós com Kratos pela primeira vez desde que foi transformado.

Era a noite do dia seguinte ao de sua transformação. Kratos temia que houvessem outros dragões atrás dele (e de toda a família), portanto a opção mais segura seria que ele e Yuudai não continuassem a morar no apartamento e se mudassem o mais rápido possível para o bosque.

- Vergonha porque? – perguntou, enquanto ajudava Yuudai a esvaziar as gavetas e armários. Jogava em cima da cama de casal todas as roupas que encontrava.

- Eu quebrei um monte de coisa! Não ficamos lá nem 24 horas, e quebrei sem querer duas portas, um prato, e alguns copos... Estou destruindo tudo que toco! – Yuudai falava com uma expressão desesperada, o que na visão de Kratos tornava a situação cômica.

- Vou te dar a melhor dica possível pra isso... Imagine que tudo ao seu redor é feito de um cristal fino. Cada copo, cada maçaneta. Tudo de cristal. Aí você vai se acostumando a ser mais delicado com as coisas, e com o tempo se acostuma com a sua força. – sorriu. – Você não faz ideia do prejuízo que eu causei à eles nas minhas primeiras semanas na casa da Nana... Eu quebrava muito mais coisas que você. Fiquei meio longe das crianças por um bom tempo, com medo de machucá-las.

Continuaram a jogar as roupas na cama, e logo as gavetas, prateleiras e cabides estavam vazios.

- Pega as malas que a gente deixou na sala, vamos guardar logo... – foi interrompido por Yuudai, que o derrubou na cama. – O que?!

- Consegui! – Yuudai ria. – Não acredito!

Rindo também ao ver a felicidade de Yuudai pelo simples fato de agora conseguir derrubá-lo, Kratos resolveu aproveitar para provocá-lo.

- Eu estava distraído... Assim é fácil demais.

- Antes você parecia uma muralha, se me jogasse em cima de você eu acabaria me machucando. Mas agora as coisas vão ser mais divertidas, não? – sorriu provocativo. Conseguiu imobilizar Kratos ao segurar seus pulsos com força e imprensá-lo contra a cama com o próprio peso.

Kratos levantou as sobrancelhas e lhe lançou um olhar descrente, retribuindo o sorriso.

- Sinto informar que ainda sou mais forte. E você está amassando todas as roupas...

- Kratos! Você sabe do que estou falando, não sabe? – empolgado, voltou a rir. – Essa... Essa energia toda, essa força! É como se fosse adrenalina, mas... É MAIS que adrenalina!

- Bem vindo ao mundo dos dragões, eu diria... – Kratos também riu. – É pra gastar essa energia toda que eu e Luke treinamos tanto. Experimenta ficar no tédio, sem fazer nada... Quando você sentir o que é energia acumulada, vai me pedir perdão por ter reclamado tanto das vezes em que fiquei mal humorado e agressivo.

- Vou ter que começar a treinar também, então? – a ideia o animava.

- Provavelmente, mas... Sabe qual o outro modo de se gastar energia?

- Qual? – essa foi uma das poucas vezes em toda a sua vida que Yuudai fez uma pergunta ingênua, por não ter entendido o sentido por trás das palavras.

Agilmente invertendo as posições, Kratos ficou por cima de Yuudai e segurou suas mãos.

- Ah, sim... – Yuudai disse.

Com algum esforço, conseguiu soltar uma das mãos e a usou para puxar a cabeça de Kratos para mais perto da sua, de uma forma um tanto bruta.

*

- Onde eles estão?! – Nana exclamou, levantando da cama e olhando impacientemente pela janela do quarto, uma das que dava vista para a frente da casa.

- Sei lá, Nana! Ainda devem estar pegando coisas no apartamento... Pra que o estresse? Aquela sua premonição já aconteceu, você devia relaxar agora... – Luke mudou o canal da televisão, deitado na cama.

- Desculpa se não consigo ficar como você, simplesmente deitado na cama assistindo televisão pelado e comendo fandangos, enquanto meu irmão que quase foi morto está começando a demorar a voltar pra casa... – suspirou.

- Ei, não reclame... Estou pelado por sua causa. – jogou um dos salgadinhos em Nana, acertando o cabelo rosa. – E você também tá.

- Não estou reclamando... – ela disse com um sorriso, tirando o salgadinho do cabelo e o comendo em seguida. – Mas sei lá, fico preocupada.

- Ele agora é um dragão também... Relaxa.

- Pode até ser, mas ainda não sabe usar a própria força. – voltou à cama e sentou ao lado de Luke, que a puxou para um abraço de lado.

- A gente vai treinar ele. Vamos descobrir qual o estilo do Yuu, e fazer ele ficar foda. Só acho bom que o negócio dele não seja manipular fogo também...

- Já está com ciúmes do seu querido fogo? Medo do Yuudai ser um controlador de fogo melhor que você? – ela riu, provocando-o.

- Claro que não, porque isso seria impossível. – levantando uma das mãos em frente aos dois, Luke estalou os dedos e criou ali uma pequena chama que parecia sair de seu dedo indicador.

- Que perigo, hein? – ela zombou.

Luke abaixou a mão e a chama não saiu do lugar, flutuando no ar. Não tirou os olhos dela, e sem precisar tocá-la novamente, a manipulou mentalmente para que crescesse. Em poucos segundos, algo como uma grande bola de fogo estava em frente a eles, perigosamente pairando próxima ao teto de madeira.

- Luke, quer botar fogo na casa?! – Nana disse assustada. E com um sorriso convencido, Luke tocou naquele fogo e o absorveu para dentro de si.

- Só queria te mostrar que agora consigo controlar isso sem precisar tocar no fogo.

- Tudo bem, Luke... Nunca mais vou duvidar do seu poder de controlar fogo. – se deu por vencida. – Mas não faça dentro de casa, ok?

*

- Eles voltaraaaaam! – Marie gritou, correndo pela casa.

- Ah, finalmente. – Cain correu atrás de Marie, a pegando no colo. A experiência lhe dizia que era melhor impedir Marie de correr descontroladamente pela casa, pois acidentes sempre aconteciam. E esses acidentes eram o motivo de Louis estar quase sempre com band-aids e manchas roxas pelo corpo, pois era sempre nele que Marie acabava trombando.

- Vou ajudar a levar umas malas pro quarto de hóspedes! – Hell disse, indo até o carro estacionado em frente à casa, e sendo seguida por Luke e Nana.

- Não precisa! – Yuudai tentou gritar para eles, mas foram mais rápidos e já estavam abrindo a mala do carro.

- Agora não é mais quarto de hóspedes! – Spike comentou, entrando em cena com Louis ao lado. – É quarto do Kratos e do Yuudai.

- Vocês brigaram de novo?! – Louis exclamou, parecendo assustado e desapontado.

Só então Cain, Spike, Marie e Merlot (que havia acabado de entrar) prestaram atenção no estado dos dois. Além das roupas estarem amassadas, era possível ver em seus braços e pescoços algumas marcas vermelhas e arroxeadas que indicavam arranhões, cortes e contusões.

- Erm... Não, não brigamos! – Yuudai disse, sorrindo sem graça.

- Mas vocês... – Louis começou a falar, até ser rapidamente interrompido por Spike.

- Se ele não disse que não teve briga, então não teve! – empurrou o ombro de Louis. – Não vamos ser inúteis, vem comigo pegar alguma mala também pra levar pro quarto. – e puxou o loiro pelo braço, saindo dali e indo para onde Hell, Luke e Nana estavam.

- Depois eu digo que a mentalidade do Louis é ainda mais infantil que a da Marie, e vocês dizem que eu exagero. – Merlot disse, revirando os olhos. – AI! – gritou quando Marie, que ainda estava sendo segurada por Cain, deu um chute em sua cabeça.

- Bem, vamos entrar logo... O jantar já está  pronto e podemos ir arrumando a mesa. – Cain disse tranquilamente, sorrindo. Colocando Marie no chão novamente, foi até a cozinha, sendo seguido pelos outros.

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

60. O Nascimento de um Dragão



Luke se inclinou sobre Yuudai, deitando um dos ouvidos na direção de seu coração, enquanto segurava um dos pulsos e tentava sentir alguma coisa.

Kratos começava a sentir sua calma se esvair.
Ao ver o quanto Luke estava demorando a sentir qualquer sinal de vida de Yuudai, sentia seu próprio coração parecendo falhar em batidas, enquanto uma vontade já incontrolável de chorar lhe dominava.

- Yuudai... – foi tudo que Kratos conseguiu falar, soluçando. Escondendo o rosto nos braços. Apertava a própria cabeça, como se isso pudesse fazer com que acordasse de um pesadelo terrível.

- Pai, acho que... Acho que estou sentindo alguma coisa sim... – Luke levantou a cabeça, com uma expressão ansiosa e concentrada. – Tá ficando... Mais forte. Eu acho que a pulsação dele tá ficando mais forte, pai! – ele apertava o pulso de Yuudai com os dedos, e olhava para Kratos com um enorme sorriso.

Kratos inclinou-se sobre Yuudai, tocando em seu rosto e chamando por seu nome. Luke não largava o pulso, e olhava para os olhos de Yuudai, sem piscar. Ele e Kratos estavam tensos, ambos desejando que Yuudai abrisse aqueles olhos a qualquer momento.

- PAI! – Luke grita quando sente Yuudai tentando mover a mão que ele segurava.

Luke parou de medir o pulso e ao lhe deu a mão, segurava a de Yuudai firmemente como se quisesse lhe dar forças.

- Yuudai, abre os olhos! Yuudai! – Kratos dizia, com um tímido sorriso que começava a aparecer no rosto vermelho de quem se esforçava para não derramar nenhuma lágrima.

Lentamente movendo um pouco a cabeça para o lado e entreabindo os lábios como se quisesse falar alguma coisa, Yuudai levantou as pálpebras e olhou de um para o outro.

- Ah, filho da puta! – Luke ria com um enorme sorriso aberto, que ele não conseguia mais fechar. – DEU CERTO, porra!!

Sem conseguir falar nada e sentindo os olhos voltarem a arder, Kratos levantou um pouco o corpo de Yuudai e o abraçou. Yuudai conseguiu corresponder, sentindo suas forças voltarem. E mais que isso, sentia uma nova energia em si, algo que fazia com que ele se sentisse muito mais forte.

- Kratos... Eu não sabia que você chorava. – Yuudai disse, ao desfazerem o abraço.

Luke continuava sentado no chão ao lado deles, fazendo com que Yuudai também sorrisse ao olhar para ele. Luke parecia uma criança extremamente feliz, pois ria sozinho sem parar. Claro que o sangue respingado por seu corpo e rosto o atrapalhavam a transmitir uma imagem inocente ou infantil, mas sua alegria era contagiante de qualquer jeito.

- Eu também não sabia. – Kratos sorriu, e Yuudai enxugou suas lágrimas.

- Você... Me transformou, Kratos? – perguntou ao notar o forte gosto de sangue que sentia por toda a boca, ainda  tentando entender a situação. Sentia a mente confusa enquanto tentava lembrar calmamente de tudo que havia acontecido. Olhando ao redor, viu os corpos dos dois dragões caídos no chão (e agradeceu mentalmente não ter visto aquelas mortes brutais acontecendo). Ele se sentia estranho, e sentia-se inseguro em tentar levantar. Preferia continuar apoiado nos ombros de Kratos, sentado no chão.

- Sim. E como eu queria ter feito isso antes...

- Não se culpe. Não tinha como você saber que daria certo. – falava calmamente e tentava transmitir tranquilidade, pois o corpo de Kratos tremia um pouco e era visível o quanto estava abalado.

- Gente, precisamos sair logo daqui! – Luke exclamou. – As câmeras podem até não estar transmitindo nada, mas alguém pode descer! – agora que parava para pensar de verdade na situação, sentia-se um pouco desesperado. – O que vamos fazer?! E os corpos?

- Calma... O turno dos que estão aí hoje trabalhando acaba tarde... Ainda temos um pouco de tempo. – Yuudai disse.

- Vamos tirar eles daqui e queimar os corpos em algum lugar... Podemos fazer isso no bosque. E vamos ter que limpar o sangue também. – Kratos pensava rapidamente. – Yuudai, consegue levantar?

- Acho que sim... – com a ajuda de Kratos, ficou de pé.


E sentiu algo diferente de tudo qeu já havia experimentado.
A simples sensação dos dois pés no chão era algo novo. Ele sentia uma firmeza e uma força inéditas, sentia como se pudesse sair correndo sem nunca ficar cansado, ou como se pudesse quebrar qualquer coisa com um chute.

- I-isso é... Incrível... – ele disse, boquiaberto.

- Yuudai, enquanto você não estiver acostumado com sua nova força... Não toque em nada, ok? Deixa que eu e Luke fazemos tudo. Você também não vai dirigir, pois com certeza arrancaria o volante sem querer.

- Ah... Certo. – ainda confuso, Yuudai ficou parado enquanto via Kratos e Luke resolverem tudo e limparem a cena como dois assassinos profissionais.

Eles usaram as próprias camisas e algumas latas de cereveja que por sorte estava no carro, e limparam as manchas e poças de sangue que estavam no chão. Jogaram os dois corpos e a cabeça solta na mala do carro, e tudo isso em alguns minutos.

- Vocês... Já fizeram isso antes? É muito assustador, na verdade... – Yuudai perguntou, fazendo com que rissem.

- Não. É a primeira vez que vejo outros dragões além de mim aqui na Terra... E foi a primeira vez que precisei matar alguém desde que assumi a forma humana.

- Depois da Guerra dos Dragões... Nunca pensei que eu fosse  matar de novo. – Luke falou, parecendo desanimado. – Mas... Foi necessário.

Enquanto Luke fechava a mala e dava uma última olhada no estacionamento, suspirou pesadamente e entrou no carro, sentando como motorista e indicando que os dois entrassem atrás.

- Luke não gosta de matar... Embora faça isso muito bem. – Kratos comentou baixinho com Yuudai, antes que fossem até o carro. – Bem, eu estou acostumado a matar outros dragões. São alguns milhares de anos de vida... Incontáveis batalhas. – suspirou também, parecendo estar tendo várias lembranças. Entraram no carro, e Luke dirigiu o mais rápido possível até a casa no bosque, onde as novidades foram contadas à família, e as principais evidências do que havia acontecido no estacionamento foram devidamente eliminadas com a ajuda de Nana, Cain e Hell.

59. A Morte de um Humano


Yuudai havia acabado de sair de uma conversa importante. Não foi exatamente uma entrevista de emprego... Foi mais algo como uma proposta de emprego. Poderia voltar a fazer um trabalho semelhente ao que tinha no Japão, mas ele carregava ainda muitas incertezas.
Yuudai havia buscado uma oportunidade como essa desde que chegou ao Brasil, mas agora que a chance aparecia, ele hesitava.

Ter vestido novamente aquele terno extremamente caro e ter voltado a um ambiente empresarial como aquele havia feito com que parasse para pensar: “É isso mesmo que eu quero?”
No passado, impressionar gente poderosa e ter uma boa aparência eram aspectos importantíssimos. E claro, o mais importante de tudo era ganhar dinheiro. Mas ele havia experimentado uma vida totalmente nova e surreal, ao lado de criaturas como dragões e fadas, e havia mudado mais em alguns meses do que mudou ao longo de toda a sua vida.

Percebeu que ter dinheiro já não significava muito.
Sentia-se extremamente feliz quando estava com a família, e não havia dinheiro no mundo que conseguisse lhe trazer algo parecido com o que sentia quando estava com o filho, a irmã, ou Kratos.

A vontade que sentia de recusar a proposta ia aumentando conforme o elevador descia e ele chegava ao subsolo, onde seu carro estava estacionado.

“Mas será que estou apenas ficando preguiçoso?” pensou. Afinal, ele teria que voltar a ter algum trabalho. E o que mais ele sabia fazer além disso?
Na hora, lembrou de Kratos lhe dizendo para tocar violino profissionalmente.

Rindo com a lembrança, ele balançou negativamente a cabeça.

- Kratos?! – surpreendeu-se ao ver o namorado no estacionamento vazio.

- Yuudai... Tá tudo bem? – perguntou levantando a voz, pois ainda havia uma boa distância entre eles. Era um estacionamento muito grande, e que estava praticamente vazio. Era um dia em que a empresa normalmente não funcionava, haviam apenas poucas pessoas dentro do prédio que estavam organizando papeladas.

- Sim, tudo bem... Aconteceu alguma coisa? – parou de andar em direção ao carro, indo até Kratos. O dragão parecia estar tenso.

- Eu tive um sonho muito estranho, fiquei meio... Desesperado. – ele riu sem graça, passando a mão no cabelo como se estivesse vendo que finalmente podia relaxar. – Senti você em perigo, aí corri pra cá.

Yuudai riu, mas ainda achava a situação estranha.

Havia sido um dia pacato, e agora já era noite. Ele só pensava em voltar logo para casa, tomar um banho e jantar com Kratos.

- Vamos voltar pra casa, no caminho você me conta o... – parou de falar ao sentir algo lhe arranhar o pescoço, ao mesmo tempo em que foi imobilizado pelas costas, por alguém muito maior que ele.

- QUOR! – Kratos gritou, imediatamente enrijecendo todos os músculos e ficando em posição de ataque. – E Sillis... O QUE QUEREM? – ao ouvir Kratos falando o nome de outra pessoa, Yuudai moveu os olhos arregalados para o lado, e percebeu que havia outro homem ali. Ele possuia um tipo físico semelhante ao de Kratos, e um longo cabelo verde escuro. E quando sorriu, mostrou ter caninos enormes e afiados.

- Saudades, grande líder? – o que imobilizava Yuudai perguntou, provocativo. Era uma voz grossa e forte, que soava quase como um rosnado. Parecia um pouco com a voz de Kratos, quando ele estava irritado.

- Digam logo o que querem, e soltem ele! – Kratos ordenava.

- Filho da puta... Você é um grande filho da puta, Kratos! Como se sente após ter sido o culpado por uma guerra que destruiu nosso planeta? – Sillis perguntava.

- Então vocês resolveram me culpar? – irritado e com uma angústia evidente no rosto, Kratos riu. – Tanto faz, me culpem se isso os fizer dormir em paz. Mas soltem ele. – sua voz soava extremamente ameaçadora.

- Quem diria... Um humano macho? Foi isso mesmo que chamou sua atenção? – Quor falava, continuando a ignorar as ordens de Kratos. Yuudai sentiu lâminas finas lhe cortando a pele, por cima das roupas que estavam sendo também rasgadas. – Vejamos se tem mesmo bom gosto.

Yuudai sentia que sua voz havia do embora. Além de estar assustado demais, não sabia o que devia falar para Kratos naquela hora. Gritar para que fosse embora? Não, isso seria ridículo. Yuudai não queria ser abandonado, e mais importante que isso, sabia que Kratos jamais seria capaz de deixá-lo ali. Pedir que fugisse apenas iria ferir o orgulho de Kratos.
Suas mãos, ambas nas costas sendo fortemente apertadas por uma das mãos de Quor, começavam a latejar de dor. Ele sabia que não conseguiria fugir.

Notou que as “lâminas” que lhe ameaçavam na garganta e agora lhe cortavam o peito, eram na verdade as unhas de Quor. Eram muito compridas, e pareciam extremamente resistentes.

Sentindo-se sem saída, Kratos resolveu tentar algo. Se arrependendo amargamente por nunca ter praticado telepatia com Luke, tentou se comunicar mesmo assim.

*

Luke estava encostado numa das paredes da grande joalheria. Extremamente entediado, olhava o tempo todo para o relógio, desejando que os minutos passassem mais rápido.
“Eu odeio o meu emprego. Eu devia ter estudado... Devia ter feito faculdade.” Ele pensava amargamente, amaldiçoando o dia em que aceitou ser segurança naquela loja.

“Venha. Mate o dragão de cabelo verde.”
Foi a frase que Luke ouviu ecoando em sua mente.

Entrando imediatamente em estado de alerta, ele arrancou a gratava num puxão só e a jogou no chão, andando apressadamente em direção à porta.

Vários clientes o olharam, assustados.

- LUKE! – ele ouviu o gerente gritando seu nome. O senhor já quase espumava de raiva. Ele não suportava Luke, e cada atraso diário do ruivo fazia com que ele se arrependesse de tê-lo contratado.

- Me demito! – Luke gritou, antes de sair correndo pela loja.

E ele correu. Correu muito.

Jogou seu paletó no chão também pelo meio do caminho, já se preparanado para uma luta. Corria desesperamente, e sua velocidade incrível fazia com que as pessoas ao redor sequer conseguissem ver direito seu rosto.

“Se ele me chamou, é porque está se sentindo de mãos atadas... O Yuudai deve estar de refém. E se ele especificou quem devo atacar, é porque tem mais de um...” Luke ia pensando enquanto corria pelas ruas, montando em sua cabeça o cenário que provavelmente encontraria.

Já estava chegando a um bairro vizinho.

Ele não sabia onde ficava o prédio que Yuudai havia visitado para a proposta de emprego, mas conseguia sentir o local. Era como um ímã, como se algo o atraísse instintivamente para onde Kratos estava.


Ao finalmente se deparar com o prédio em sua frente, sentiu que devia ir ao estacionamento. Por alguns segundos ficou parado, pensando em como deveria entrar em cena. Percebeu que não havia como não ser notado... E por isso, resolveu usar toda a sua velocidade e agilidade para entrar lá de uma vez e conseguir matar rapidamente o dragão inimigo.

*

- Kratos, você está ficando chato. Porque insiste em nos perguntar o que queremos? – Sillis falava. – O que nós poderíamos desejar? Tudo foi destruído, Kratos. Não temos mais nada a perder, e por isso mesmo nosso único objetivo... – arregaçou a boca num sorriso torto e que conotava sua insanidade. – É te fazer sofrer.

Sillis olhou para Quor, como se estivesse lhe dando um sinal.

- NÃO! – o grito de Kratos abafou o som do grito de Yuudai, quando Quor afundou suas longas unhas no peito do japonês.

Quase que ao mesmo tempo, Luke entrou no estacionamento. Assim                que a porta do elevador se abriu ele correu tão rápido para cima de Sillis, se jogando em cima dele,  que o dragão não teve tempo de impedir que fosse arremessado contra uma parede.

Percebendo que não teria mais muito tempo, Quor concretizou de vez sua ameaça. Enterrou as unhas ainda mais profundamente em Yuudai, fazendo com que os próprios dedos atravessassem sua pele, e as pontas das unhas aparecessem do outro lado do corpo, saindo pelas costas de Yuudai.

Após o golpe fatal, tirou sua mão dali e deixou que o corpo do japonês caísse no chão.

Felizmente, em momentos desesperadores Kratos conseguia manter a calma e agir racionalmente. Ignorando todos os seus impulsos de ir até Yuudai, correu atrás de Quor, impedindo que este fujisse. Dando um salto longo e alto, Kratos pulou em cima de Quor, apoiando um pé em cada ombro. Segurou a cabeça dele com as duas mãos, e num puxão só, a arrancou.

Após a rápida execução, Kratos voltou toda a sua atenção à Yuudai, jogando-se no chão ao seu lado.

Yuudai estava vivo, com lágrimas escorrendo de seus olhos semicerrados, e com imensa dificuldade em respirar.

- Kra... tos... – a voz quase não saiu. Yuudai gostaria de ao menos levantar o braço a fim de segurar a mão do outro, mas não conseguia se mover.

- FAZ ELE BEBER! – ouviu Luke gritando.

Ele não parecia ter tido dificuldades com Sillis, pois sua luta também já havia terminado. Com toda a força, Luke havia empurrado a cabeça de Sillis contra o chão três vezes. O piso ficou quebrado, e o que era uma cabeça agora se resumia em uma mistura extremamente ensaguentada de cérebro, cabelo verde e crânio quebrado.

- EU SEI! – Kratos respondeu imediatamente.

Não havia hesitação. Era de fato a única chance, e as altas taxas de mortalidade entre as tentativas de transformação em seres que não haviam sido indicados em profecias já não importava mais.

Kratos mordeu com força desmedida o próprio pulso, provocando um ferimento grande e aberto que sangrava em demasia. Abrindo a boca de Yuudai com a outra mão, enfiou se pulso com a ferida virada para baixo, de modo que seu sangue invadisse a gargante de Yuudai mesmo que o outro não tivesse forças para engolir.

Luke correu para o lado do pai e se abaixou no chão, olhando para Yuudai de forma ansiosa e angustiada. Yuudai já não abria mais os olhos, mas Luke pôde observar um movimento em sua garganta, indicando que ele ainda estava vivo e que o sangue estava indo para onde devia.

Após alguns segundos onde Kratos e Luke observaram que Yuudai havia parado de demonstrar quaisquer sinais de que estava vivo, Kratos tirou o pulso dali.

- Yuudai! – Kratos o chamou, segurando seus ombros.

- Vai dar certo, pai... Vai dar certo! – Luke disse com toda a confiança que conseguia reunir. Fazia força para controlar a vontade de chorar, pois sabia que se cedesse, talvez o próprio Kratos acabasse desabando.

Kratos sentava no chão, com as mãos na cabeça e um olhar desesperado que estava focado em Yuudai.

- As câmeras! – Luke disse de repente, notando que haviam várias câmeras no estacionamento, e achando estranho que ninguém da segurança tivesse aparecido ali.

- Estão exibindo um loop... Não sei como, mas eles prepararam tudo. – Kratos respondeu, sem tirar os olhos do corpo inconsciente de Yuudai. – Ele... Ele tá respirando, não é? – sua voz estava trêmula.

Luke percebeu que Kratos estava com medo de conferir a pulsação ou os batimentos de Yuudai.

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

58. Sangue de Dragão


Na época, todos os dragões que souberam da profecia ficaram muito surpresos. Já era incomum que um humano da Terra fosse indicado a ser transformado em “meio dragão”, mas era totalmente inédito que o humano escolhido fosse um... Recém nascido.
O corpo da enorme maioria dos adultos não aguentava a transformação. Como um bebê (que no caso ainda nasceria fraco e prematuro) poderia ser transformado com sucesso?

Mas a profecia foi feita. O garoto nasceria, e as últimas palavras de sua mãe seriam que ele deveria se chamar “Luke Grimm”. E o dragão que lhe cederia parte da própria energia através do sangue seria Kratos. O líder de um dos maiores clãs, e indubitavelmente um dos dragões mais fortes que aquele planeta conhecia.

Kratos não fez tudo sozinho. Salvou a vida de um demônio, que havia sido acorrentado e jogado no oceano para que morresse. E foi assim que conheceu Cain, que ficou tão grato por ter tido a vida salva que concordou em ajudar Kratos quando Luke nascesse.
E tudo aconteceu perfeitamente de acordo com os planos.

No momento em que o bebê ficou sozinho na incubadora, foi Cain quem se aproximou e fez com que ele bebesse o sangue de Kratos. Cain jamais vai se esquecer do momento em que viu aqueles olhos verde-claros se transformarem em dourados, muito parecidos com os olhos de Kratos. Isso nunca havia acontecido antes com humano algum. Tecnicamente, não deveriam ocorrer mudanças na aparência do humano que fosse transformado. Não haviam registros de mais ninguém que tivesse ganho olhos iguais aos de seu doador de sangue após a transformação.

“Deu tudo certo, Kratos.”, Cain disse ao dragão, que o aguardava ansiosamente. “Seu filhote agora é meio dragão.”

“Meu... Filhote?” Kratos se surpreendeu com a ideia. Nunca havia parado para pensar desse jeito.

“Sim, eu diria que Luke agora é seu filho.” Sorriu. “Ele tem até mesmo os seus olhos.”

Por ter bebido aquele sangue quando ainda era recém nascido, Luke teve a oportunidade de crescer e se desenvolver com a energia daquele sangue poderosíssimo já correndo dentro de si. Desse modo, acabou se tornando muito mais forte que qualquer outro ser que já houvesse sido transformado antes.

A conexão estabelecida entre “meio dragão” e “dragão que o transformou” é interessante. É uma ligação profunda a ponto de permitir que haja transmissão de pensamentos. No entanto, essa é uma ténica que só costuma funcionar se houver algum treinamento.
Caso contrário, apenas se consegue dor de cabeça. Literalmente.




57. A Nova Vida de Spike


No dia seguinte ao boliche, Louis se aproximou de Merlot, segurando com as duas mãos algo escondido atrás de si.

- Merlot, eu queria te dar isso aqui. - e entregou à garota um cocô de plástico.

- Que isso, Louis? - impaciente, perguntou de forma quase agressiva.

- Estou te dando o prêmio cocozona. - responde calmamente. - Pela merda que você fez com o Spike.

Sem dizer mais nada, ele se afastou e deixou Merlot ali sozinha, olhando para o cocô de plástico.
O cocô tinha uma carinha feliz que a encarava, como se disse "Porque você fez isso, sua cocozona?"

E não foi apenas Louis que foi falar com Merlot sobre o acontecido.
Ela recebeu também uma bela bronca de Hell, que disse coisas como "Eu confiei Spike à você, pensei que você pudesse ajudá-lo a se adaptar, mas vejo que me enganei, sua retardada." e foi a primeira vez que Merlot ouviu Hell de cabeça abaixada, sem falar nada.

Merlot também ouviu um longo sermão de Nana, sobre como é de extrema importância que todos da família pudessem confiar plenamente uns nos outros. Nana a lembrou de que eles não eram adolescentes normais, pois Merlot era uma fada do vinho e Spike era uma criação de Hades, vinda de outro planeta. E por causa disso, era importante que a confiança fosse mantida, assim o poder da família seria sempre firme e forte.

*



Uns três meses após o dia do boliche, Spike e Merlot já se falavam mais ou menos normalmente. Chegava a ser engraçado como ambos pareciam sempre tentar chamar a atenção um do outro, geralmente provocando ciúmes ao se envolverem com outras pessoas.
Mas após esses meses eles começavam a ter coragem de fazer o que realmente queriam.

Spike e Merlot não namoram. Eles mesmos já conversaram sobre isso, e dizem ser “impossível”. Ambos se acham insuportáveis e dizem que suas personalidades são totalmente incompatíveis. No entanto, de vez em quando a gente flagra eles juntos por aí...

---


Começo pedindo que vocês não me odeiem por isso. :x
Mas não vou continuar desenvolvendo a história do Spike e da Merlot como eu estava fazendo. Eu já escrevi as coisas que eu queria e agora estou vontade de “avançar um pouco no tempo”. É melhor fazer isso do que eu ficar me forçando a escrever capítulos que não estou com vontade de escrever. Eles iam demorar muito a sair, e provavelmente ficariam chatos. Vocês sabem que o Spike caiu de paraquedas na minha vida e a “sorte” foi que eu já tinha criado história e personagem pra esse doll, então deu pra eu ir desenvolvendo ele.
Mas antes dele chegar eu tinha outras coisas em mente, e depois de ter feito esse intervalo nos meus planos (intervalo = esses capítulos sobre o Spike) vou seguir em frente.
E tenho um bom motivo prático pra precisar fazer isso: Não tenho muito tempo, pois logo as aulas da faculdade vão voltar. E pra continuar a desenvolver Spike x Merlot capítulo por capítulo, eu ainda precisaria esperar que as roupas dele chegassem (aquelas que eu ainda nem encomendei).


quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

56. Being a promiscuous boy


Minutos depois, Spike voltava para os sofás. Joe foi ao banheiro antes, e quando voltou se sentiu decepcionado ao notar que Spike havia sentado entre duas amigas, e que assim não conseguiria se aproximar novamente.

- E aí, Spike? – Merlot apareceu na frente dele, animada.

- E aí o que, Merlot? – ele falava com o queixo levantado, e um ar de superioridade que a garota ainda não conhecia.

Ela riu meio sem graça, e ao olhar para as amigas que sentavam ao lado de Spike, trocaram sorrisos.

- Ele beija bem? – uma das meninas perguntou.

- Beija sim. – Spike lhe respondeu com um sorriso.

- Uma pena que você seja gay... – a que estava sentada do outro lado reclamou. – Você é tão lindo, queria ter uma chance também.

- E quem disse que não pode ter? – ele respondeu, surpreendendo a todos.

Spike nem deu muito tempo para a garota pensar. Segurando-a pela nuca, tratou de juntar logo seus lábios.

Merlot e a garota que sentava do outro lado de Spike estavam boquiabertas.
Nada daquilo fazia sentido. Elas sentiam que estavam numa dimensão paralela, ou algo do tipo. Da onde vinha aquela atitude toda de Spike?
A menina que fora beijada parecia estar se empolgando, pois começara a arranhar a coxa de Spike por entre a meia arrastão.
Ele interrompeu o beijo, afastando o rosto do dela, com um sorriso. Olhou para a menina do outro lado, que parecia estar hipnotizada pela cena que acabara de ver. Spike a puxou para perto também, e logo ele estava ficando com as duas garotas ao mesmo tempo.

Merlot se afastou dali, chocada com tudo aquilo.

- Ei, ele não era gay? Como que o travesti tá pegando as meninas do grupo?? – um dos garotos que sentava no sofá em frente ao de Spike exclamou, de olhos arregalados.

- Porra, sacanagem isso aí! Eu tô pra pegar uma dessas duas há séculos, e ele faz isso de uma vez só? – o outro falava também, mas ria ao mesmo tempo.

Spike pareceu ter ouvido os comentários, pois olhou para os dois. Olhou para eles enquanto beijava as meninas. E olhou de um modo que aqueles garotos nunca iam conseguir esquecer.
Estáticos, eles se entreolharam, e riram sem graça.

- Cara, eu acho que... Já vou indo pra casa. – um deles comentou.

- Ok, até mais... – o outro respondeu automaticamente. E continuou a observar o show que Spike estava dando.

*

O caminho até a casa no bosque foi silencioso. Merlot mal conseguia encará-lo.

- Spike, o que houve com você? – ela finalmente perguntou, ao chegarem no quarto.

- Comigo? – ele a olhou friamente. – O que houve com você, quando resolveu me trair?

- Te trair?!

- Você contou pra todo mundo que eu nunca namorei nem beijei! Sim, pra todo mundo... As garotas me contaram que você espalhou tudo sobre mim.

- Ah, fala sério! Isso não tem nada demais, não é motivo pra você de repente virar um... Um... Nem sei que nome dar pra isso! Qual é a versão masculina de puta? Porque você agiu como uma piranha profissional hoje...

- Não tem nada demais?! Eu sempre me abri com você! Eu te pedia pra nunca contar nada, e você me prometia que qualquer coisa que eu te falasse ficava só entre nós! Merlot, você... Você contava tudo. – ele sentiu os olhos começarem a arder. – Você fazia fofoca até sobre as minhas roupas íntimas... Como você acha que eu me senti quando aquelas garotas ficaram me perguntando se era verdade que eu já tinha usado calcinha? – as lágrimas escorreram.

Merlot ficou vermelha.
Sim, ela havia contato muitas coisas, mas... Foi sem perceber.

- E o pior, sempre foi você que me forçou a isso! Você ficava dizendo pra eu usar roupas de menina, você que tentou me fazer usar calcinha uma vez e eu te disse que não gostava! Foi você que assumiu que eu era gay... E você que armou aquele encontro com o Joe pra mim.

- M-mas... Spike, eu posso até ter cometido erros! Mas é motivo pra você ter feito tudo o que fez hoje? O Joe ficou arrasado quando te viu com aquelas garotas, ele voltou pra casa...

- Eu não me importo! – ele gritou, dando um soco na cômoda. Ainda bem que o quarto estava vazio, caso contrário Louis e Marie com certeza teriam acordado. – A culpa de tudo foi sua! Merlot, eu fiz tudo que você quis! Eu fui pra todos os lugares que você queria, agi como você queria que eu agisse, e até me vesti sempre como você queria que eu me vestisse... Tudo pra ver se você começava a gostar de mim de verdade em algum momento. – não era possível saber se suas lágrimas eram de mágoa ou de raiva. Provavelmente, de ambos.

- Gostar de você? – ela se surpreendeu.

- Sim, Merlot! Eu fazia tudo que você queria, porque eu estava apaixonado! Demorei pra perceber isso, mas quando percebi... Descobri também que você só estava brincando comigo, e me usando pra ser mais popular. – ele enxugou o rosto rapidamente com a manga da jaqueta. – Mas agora acabou. Nunca mais vou te obedecer. Vou usar minhas próprias roupas e fazer meus próprios amigos. E sabe o que vou fazer com essa fama de puta que eu consegui por sua causa? Vou aproveitar e fazer o que eu quiser.

- Por minha causa?! Spike, você partiu o coração do Joe, que é um garoto muito legal, porque quis! E ficou com duas garotas ao mesmo tempo porque quis!

- Não, Merlot! Foi porque eu estava com tanta raiva que não pensava direito no que tava fazendo! E fiquei com raiva por sua causa! – passando por Merlot rapidamente, saiu do quarto.

Ia pedir para dormir com Hell e Cain, naquela noite.
Sentia que precisava desabafar e chorar com aqueles que cada vez mais considerava como sendo seus pais. Aqueles que eram de confiança e o amavam de verdade. Diferente de Merlot.

55. Acting like a cute boy


“Eu não apenas cheguei no meu peso ideal, como voltei a treinar também! Só que dessa vez, é DIVERTIDO. E não torturante, como os treinos do submundo. Claro que Luke e Kratos são muito mais fortes que eu, mas eles tem bom senso (na verdade, só o Kratos tem)  e estão sabendo me ajudar a ficar mais forte.
Eu e Merlot continuamos a sair com os amigos dela (que hoje em dia não me sinto mal em falar que são meus amigos também). Mas confesso que estou muito tenso com alguma coisa... Tenho certeza de que estão armando algo pra mim. Ultimamente ficam me perguntando se já namorei, se já fiquei com alguém... Perguntam até qual é o “meu tipo de garoto”.
Mas que merda, eu não estou interessado em nada disso!
Ainda bem que a Merlot não conta nada pra eles (é bom saber que dá pra confiar nela, essa é uma das coisas que mais gosto na Merlot), aí eu só preciso desviar das perguntas. Porque não quero que saibam muito sobre mim. Não quero que fiquem me achando idiota ou ingênuo... Não mais do que já acham.“

Spike se enturmava fácil. Estava se divertindo muito com os outros garotos da casa, havia aprendido a jogar videogame e a ser boca suja. Luke tentava fazer com que ele começasse a ler mangás, mas Spike dizia ficar confuso com o estilo de leitura. Louis também havia tentado introduzir Spike aos seus livros favoritos, mas o garoto no fundo achava aqueles contos de fadas muito chatos (mas ele gostou de vários desenhos da Disney, pelos quais Louis é viciado). Cain obteve mais sucesso ao descobrir que Spike se interessava por livros e filmes de suspense e de ação.
E quando Merlot via como Spike ficava a vontade com os outros, um sentimento de possessividade tomava conta dela, e ela o puxava para mais saídas. E desse modo sentia que Spike pertencia mais à ela do que a qualquer outra pessoa. Ela adorava o modo como Spike lhe obedecia, sempre se arrumando com as roupas que ela escolhia.

- A gente tá em cima da hora, vamos acabar nos atrasando se não corrermos... – agitada como sempre, Merlot separava algumas roupas para Spike, e outras para ela mesma usar. – O Ed já me ligou, estão esperando a gente no boliche.

- Mini saia? – ele segurou a saia, estranhando a escolha das roupas. Havia também uma meia arrastão e uma blusa bem justa entre as roupas.

- Sim, você hoje vai mostrar essas coxas. – ela piscou para ele, como se soubesse de alguma coisa.

- Merlot, não gosto muito desse tipo de roupa. Nem tem a ver comigo, eu... – parou de falar quando Merlot tirou a blusa na frente dele. – E-eu... – ele gaguejava, sem nem lembrar mais sobre o que estava falando.

- Vai ficar parado com essa cara de idiota? Se arruma logo também. – e dizendo isso, vestiu uma blusa, e saiu do quarto para calçar os sapatos.

O garoto ficou ainda um tempo parado, como se estivesse em estado de choque. Depois vestiu rapidamente as roupas que haviam sido escolhidas por Merlot, e foi correndo procurar Louis.

*
- Ei, Spike! Acho que a Merlot estava te procurando... – Louis começou a falar ao avistar o outro.

- Louis, me ajuda! – sentou na terra, ao lado dele. Louis e Marie estavam colhendo algumas frutas pelo bosque, e faziam uma pausa na sombra de uma árvore quando Spike chegou.

- Em que? – ficou preocupado com o jeito do amigo.

- E-eu... – sentiu o rosto esquentando. Lançou um olhar meio tenso à Marie, que estava ao lado mas parecia alheia à conversa.

- Certo, vamos pra lá... – indicou uma direção qualquer mais à frente. – Marie, já volto.

Foram andando juntos, e quando Marie estava a uma distância onde não podeira ouví-los (o que significava uma distância grande, pois ela ouvia bem demais), Spike sentiu-se mais seguro para falar.

- Eu senti umas coisas estranhas! Agora há pouco, a Merlot do nada ficou de sutiã na minha frente! E-eu... Não sei o que aconteceu! – com o rosto vermelho e expressão aflita, ele parecia realmente estar nervoso.

Louis segurou a vontade de rir.

- Spike, tá na cara que você não é gay. Todo mundo aqui em casa já comentou isso. Porque você deixar a Merlot espalhar por aí que você é? E porque deixa ela te vestir?

- N-não sei... – ele olhava para os lados, como se procurasse respostas nas plantas. – Ela estava sempre tão triste, ela desabafava comigo sobre o ex-namorado... Ela só começou a ficar feliz quando começou a escolher roupas pra mim e a sair comigo. Eu não quero que ela fique triste de novo! Prefiro manter tudo como está... – embora falasse com determinação, sentia-se inseguro.

- Você devia aproveitar que a Merlot está solteira...

- Como assim?! – pergunta de repente, como se tivesse se assustado. – Louis, vem comigo nessa saída de hoje! Acho que alguma coisa vai acontecer hoje no boliche...

- Boliche? Aquele boliche? Não gosto de lá, parece mais uma boate... É escuro e geralmente as pessoas não vão lá com boas intenções.

- Sim, por isso mesmo eu queria que você fosse! – estava quase implorando.

- Eu já te disse que não sou amigo dos amigos da Merlot! Ela fala com algumas pessoas que implicavam muito comigo... Antes de eu começar a ficar mais popular sendo DJ. – disse irritado. – Não quero ver eles.

Se dando por vencido, Spike respirou fundo, se acalmando.
Até que ouviu a voz de Merlot, e sentiu o coração disparar de novo.

- Você tá de sacanagem, né?! Eu falando que estamos atrasados, e você some! Vamos, Spike! – ela o puxa pelo braço. – Até mais, Louis! – acenou para o loiro enquanto andava rapidamente arrastando o outro.

- Boa sorte. – Louis desejou para Spike, mesmo que ele não pudesse mais ouví-lo.

*

Já no boliche, Spike sentava entre duas garotas enquanto esperava por sua vez. Não estava realmente ali, pois pensava sem parar em varias coisas, distraidamente.

- Ei, sua vez! – sentiu Merlot chutando perna. Ela estava sentada num sofá em frente ao dele, e um garoto passava o braço por trás dela. Ela parecia confortável, recostada nele. E a cena incomodava Spike.

- Sim, já vou... – foi até a pista, e escolheu uma bola.

- Não se abaixa muito, Spike! – um dos garotos gritou, rindo. Spike olhou para trás, sem entender.

- Essa saia curtinha aí tá mostrando demais, hein... – outro falou, e todos riram. Varias conversinhas cochichadas estavam deixando Spike ainda mais constrangido. Com o rosto vermelho, ele riu também e disse apenas “ah, calem a boca”.
Jogou a bola, e por causa de dois pinos não fez um strike.

Voltando aos sofás, Spike tentou se afastar mais do pessoal, sentando numa ponta mais vazia do comprido sofá.

- Ei, vamos mais pra lá, dançar um pouco? – Marina, uma das garotas do grupo,  perguntou a Spike. Mais duas meninas estavam ao lado dela.

- Não estou com vontade. – dispensou-as na hora. Ele realmente não estava se sentindo confortável.

- Ah, Spike! Vamos lá. – Merlot disse ao aproximar-se.

- Ok... – ele levantou, não resistindo ao sorriso de Merlot.

- O Spike gosta mesmo da Merlot, não é? – uma das meninas comentou enquanto eles iam até um canto mais escuro da parte do boliche que funcionava como pista de dança.

Ele tentou não demonstrar nenhuma reação à esse comentario, mas sentiu seu nervosismo aflorando. “É tão fácil de notar isso?”, pensou.

- Spike, fica aqui um pouco, tá?

- Depois a gente volta!

Merlot lhe mostrou um sorrisinho e se afastou dali, junto das outras meninas.
Sentindo-se ainda mais nervoso, mesmo que não soubesse o motivo, Spike olhava para os lados como se procurasse por alguma coisa. Talvez estivesse apenas tentando disfarçar o fato de ter sido abandonado sozinho num canto escuro de uma pista de dança.

- Ei, Spike... – um dos colegas de Merlot, que costumava sair junto com eles, se aproximou. Spike não o notou a princípio, por isso se assustou ao vê-lo de repente ali, tão próximo.

- Joe? Oi, eu não tinha te visto aqui. – sentiu-se um pouco mais tranquilo ao estar conversando com alguém conhecido.

- É que eu acabei de chegar... – por algum motivo, o garoto parecia nervoso. Desviava dos olhos de Spike, e coçava a cabeça em sinal de desconforto. – Spike, eu... É que... A Merlot já falou com você, né? – ele falava, com um sorriso tímido.

- Falar o que? – “Merda, eu sabia que a Merlot tinha aprontado alguma pra hoje...”

Joe pareceu surpreso. Não esperava essa resposta.

- Q-que e-eu... – ele parou de gaguejar para respirar, reunindo coragem. – Que eu gosto de você. – mesmo naquele lugar, os escassos raios de luminosidade que vinham das luzes coloridas no teto e nas paredes foram suficientes para perceber o quanto o rosto do garoto estava vermelho.

Com os lábios entreabertos por estar surpreso, Spike não sabia o que falar.

- Eu tinha falado pra ela, e... Ela me disse que você queria ficar comigo também. – ele falava olhando para o chão. – Eu falei primeiro com ela porque tava meio com vergonha... E ela disse que você era BV, então ia ficar com vergonha também se eu falasse direto contigo.

Seu constrangimento e surpresa desapareceram.
Spike agora sentia apenas raiva de Merlot.

“Como ela pôde?! Eu sempre confiei nela... Ela me prometia que nunca ia contar nada pra ninguém...”, ele pensava, decepcionado e irritado. “E ela arrumou isso tudo!”

- Você... Não quer? – Joe perguntou. O silêncio do outro o deixava mais nervoso a cada segundo.

Spike o olhou nos olhos. Percebeu que seu coração havia começador a bater com força contra o peito. Tomando uma decisão, segurou a cintura de Joe e o puxou para si.

E assim, deu o seu primeiro beijo.